quarta-feira, 2 de julho de 2008

3º - Entendendo A origem da Crise dos EUA :

Até o fim de julho de 2007, a economia mundial atravessava um dos períodos de maior prosperidade dos últimos trinta anos: as empresas nunca lucraram tanto, a China crescia a 10% ao ano, o Brasil exportava matéria-prima em volumes e preços recordes. Em total contraponto a esse ambiente saudável, as bolsas de valores e as moedas de todo o planeta foram abaladas por um terremoto. Em duas semanas, trilhões de dólares evaporaram dos mercados de ações sem que houvesse um ataque terrorista, como o de 2001, ou a quebra de um país emergente – como a Tailândia, em 1997, a Rússia, em 1998, e o Brasil, em 1999. Um pânico de origem incerta e difusa dominou os agentes financeiros. Bancos europeus e americanos subitamente cortaram o crédito a empresas, mesmo as de primeira linha. Os bancos centrais, por sua vez, despejaram dinheiro no mercado para conter a saída de liquidez. Estava configurado um novo período de instabilidade sem prazo para acabar. Entenda as razões desta nova crise financeira.
1. Por que as bolsas de valores vêm caindo em todo o mundo?
2. O que há de errado com o mercado imobiliário dos EUA?
3. Como esses problemas influenciam as bolsas mundiais?
4. Qual é a real extensão desta crise?
5. No que ela difere de turbulências globais anteriores?
6. Os bancos centrais devem agir para conter a crise?
7. E o que eles têm feito para afastar essa ameaça?
8. E o governo americano, como reagiu à crise?
9. Quais são os efeitos sofridos pelo Brasil?
10. Por que o país não corre tantos riscos desta vez?
11. Por que o dólar sobe quando a bolsa cai?
12. É possível uma nova onda de desemprego?
13. É seguro investir em ações nesse período?

1. Por que as bolsas de valores vêm caindo em todo o mundo?
Os principais mercados de ações do planeta estão sofrendo os efeitos de um problema ocorrido no mercado imobiliário dos Estados Unidos. A descoberta de que alguns americanos não estão pagando as prestações dos financiamentos de suas casas espalhou pânico entre investidores em todo o mundo – muitos fundos de investimento possuem parte de seus papéis lastreados nestes financiamentos. Como um segmento da população não consegue pagar as suas parcelas, criou-se um temor de que os americanos possam também diminuir o seu ritmo de consumo. Este medo de retração da economia dos EUA, aliado à suspeita da existência de papéis “contaminados” nos fundos de investimentos, fez com que muitos investidores vendessem as ações que possuíam. Quando há muita gente querendo vender, o preço das ações cai. O conjunto do das ações em queda derrubou a cotação das bolsas de valores.

2. O que há de errado com o mercado imobiliário dos EUA?
Os seguidos anos de crescimento econômico fizeram com que os bancos e instituições financeiras americanas abrissem a carteira para todo tipo de gente e empresas. Empréstimos foram concedidos até a pessoas em má situação financeira (no setor imobiliário, o crédito às famílias de baixa renda chama-se subprime). Como os juros eram extremamente baixos, muitos americanos financiaram ou refinanciaram o pagamento de alguns bens – especialmente o dos imóveis. Depois, porém, não conseguiram cumprir os compromissos. Embora a taxa de inadimplência não tenha aumentado significativamente, o temor de um calote em massa contaminou o mercado financeiro.

3. Como esses problemas influenciam as bolsas mundiais?
Nos últimos anos, os bancos que emprestaram dinheiro para o financiamento imobiliário nos Estados Unidos “empacotaram” boa parte das hipotecas americanas em novos produtos financeiros que foram revendidos a muitos fundos de investimentos em todo o mundo. Como os juros estavam baixos na Europa e no Japão, esses fundos, que ofereciam retornos maiores, tornaram-se atraentes para os pequenos e grandes investidores. Criou-se uma pirâmide de investimentos de cerca de 1 trilhão de dólares por meio da qual a poupança de milhões de empresas e aposentados, europeus e japoneses, foi usada para financiar a construção e a compra de casas nos EUA. Embora tenham sido vendidas como aplicações extremamente seguras, na prática não era bem assim – muitos americanos não cumpriram seus compromissos e o dinheiro nunca chegou aos fundos como era previsto. Quando alguns destes fundos de investimento tentaram se desfazer das hipotecas americanas na esperança de passar adiante o mico do risco, não conseguiram e perderam dinheiro. Tiveram então que vender ações até de empresas saudáveis para se recuperar – isso derrubou as bolsas do planeta.

4. Qual é a real extensão desta crise?
Ainda não se sabe ao certo. Embora mantidas inicialmente no terreno do mercado financeiro, as turbulências já batem na chamada economia real. Algumas empresas americanas começaram a mostrar números decepcionantes, caso das varejistas Wal-Mart e Home Depot, espécies de termômetros do consumo local. Em agosto de 2007, os EUA cortaram 4.000 postos de trabalho – primeira queda do nível de emprego do país desde 2003. O maior risco de a crise extrapolar o mundo das finanças e atingir a economia real está na retração do crédito. Devido à incerteza sobre o futuro da economia global, instituições financeiras americanas reduziram sua tolerância em relação a empréstimos arriscados – não apenas no setor imobiliário. Essa postura reduziu o fluxo de dinheiro que irriga o caixa das empresas. Crédito é um dos principais motores da economia – empresas e negócios surgem e crescem num cenário onde têm acesso a empréstimos para viabilizar seus negócios. As dificuldades no crédito devem comprometer o bom momento atravessado pela economia mundial.

5. No que ela difere de turbulências globais anteriores?
Mais do que qualquer outra crise anterior, esta traz consigo características cuja existência só foi possível graças ao aprofundamento do processo de globalização da economia. Por meio de inovações recentes, bancos e instituições financeiras pulverizaram os riscos de prejuízos e lubrificaram o mercado. Pegue-se o exemplo do setor de imóveis dos Estados Unidos. Para não arcarem sozinhos com o risco de calote nos empréstimos que fizeram a consumidores americanos de segunda linha, os bancos fracionaram e empacotaram o crédito referente a esses empréstimos em títulos, repassados a milhares de fundos de investimento. A lógica é a seguinte: se os consumidores americanos pagarem suas hipotecas, os lucros serão dispersados entre todos os que compraram esses títulos; se houver calote generalizado, o prejuízo será socializado. O problema é que, ao dissiparem os riscos, esses mecanismos também aceleram e aumentam o alcance das fases de turbulência. Como ninguém consegue saber quem está saudável e quem comprou títulos podres, a desconfiança se espalha e paralisa inúmeras negociações.

6. Os bancos centrais devem agir para conter a crise?
Sim, e sem muita demora. Um dos mais importantes estudos econômicos do século XX, de autoria dos americanos Milton Friedman e Anna Schwartz, concluiu que a quebra da Bolsa de Nova York de 1929 e a depressão que se seguiu durante os anos 30 foram precipitadas pela decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de estrangular o crédito, elevando os juros e diminuindo a quantidade de dinheiro em circulação. Sem moeda na praça, e sem a possibilidade de fazer empréstimos junto aos bancos, inúmeras empresas foram à falência, e a economia dos Estados Unidos retraiu dramaticamente. Desde a publicação do estudo, BCs em todo o mundo têm agido de forma mais enérgica para tentar socorrer seus respectivos mercados antes de um colapso generalizado.

7. E o que eles têm feito para afastar essa ameaça?
Os bancos centrais têm atuado na linha de frente para conter o avanço da atual crise financeira. Em setembro de 2007, o Fed mostrou que aprendera a lição do crash de 29: cortou os juros nos Estados Unidos em 0,5 ponto porcentual, depois de 4 anos sem mexer na taxa. A decisão pretendia estimular novos pedidos de empréstimos e conter parte da retração no crédito. Antes disso, porém, o Fed, o Banco Central Europeu e o Banco do Japão despejaram juntos quase 500 bilhões de dólares no mercado, para socorrer bancos e conter a escassez de dinheiro. É, de longe, a maior cifra do gênero na história - após os ataques de 11 de setembro de 2001, o aporte foi de 230 bilhões. Diante da persistência da crise, porém, as medidas não tiveram o efeito desejado. Por isso, o Fed voltou a reduzir os juros em meados de janeiro de 2008. Desta vez, o corte foi de 0,75 ponto porcentual - o maior desde outubro de 1984.

8. E o governo americano, como reagiu à crise?
Após meses de turbulência, o presidente George W. Bush finalmente anunciou, no início de 2008, as linhas gerais de um pacote para salvar a economia americana de uma possível retração no crescimento. O plano de 140 bilhões de dólares, que precisa de apreciação do Congresso, foi avaliado em 1% do PIB. O objetivo do governo é diminuir impostos para consumidores e garantir incentivos fiscais para empresas americanas. Dessa forma, calculou a Casa Branca, os Estados Unidos escapariam da recessão - trazendo ainda benefícios para todo o planeta.

9. Quais são os efeitos sofridos pelo Brasil?
Por estar cada vez mais inserido no contexto da economia global, o Brasil não sairá ileso desta crise. Os primeiros efeitos já foram sentidos no mercado de ações. Para estancarem os prejuízos decorrentes da crise, investidores estrangeiros venderam papéis não só nos Estados Unidos e na Europa, mas também em mercados emergentes, como o Brasil. A fuga do dinheiro externo explica os dias de forte queda da Bolsa de Valores de São Paulo. A médio prazo, o crescimento da economia brasileira pode sofrer o baque de uma eventual retração global, o que manteria o aumento do PIB na mediocridade atual por mais tempo. A desaceleração mundial derrubaria o preço das commodities e afetaria diretamente a economia brasileira, que tem, na exportação desses produtos básicos, sua maior fonte de renda externa. Além disso, se o dólar subir demais, a baixa inflação brasileira pode ficar comprometida, já que uma série de produtos, a maioria importados, têm seu preço baseado na moeda americana. Para conter a inflação, o Banco Central pode interromper a queda na taxa de juros e ameaçar ainda mais o crescimento do país – juros altos desestimulam os empréstimos que fazem a economia andar. De todos esses cenários possíveis, o único que parece provável é o atraso da promoção do Brasil ao chamado grau de investimento, categoria que indica os países com baixa propensão ao calote.

10. Por que o país não corre tantos riscos desta vez?
Durante os anos 90, o Brasil atravessou, aos trancos e barrancos, as crises nos mercados financeiros do México (94), da Ásia (97), e da Rússia (98), e sucumbiu ao ataque especulativo contra o real, no início de 1999, desvalorizando a moeda. Nesta última ocasião, o país tinha reservas de apenas 35 bilhões de dólares – no auge da crise, o mercado brasileiro perdia 1 bilhão por dia. Desta vez, o cenário é bem diferente: o país tem dólares de sobra e o drama da dívida externa faz parte do passado. Segundo o Banco Central, o Brasil tem quase 160 bilhões de dólares de reserva que podem ser injetados no mercado para conter a fuga de capitais. O país, portanto, não vai quebrar.

11. Por que o dólar sobe quando a bolsa cai?
De forma simplificada, o que acontece é o seguinte: quando o mercado de ações passa por um período de instabilidade, o valor dos papéis sobe e desce imprevisivelmente. Como não sabem se a cotação das ações que possuem vai subir ou descer, os investidores preferem comprar dólares e desfazer-se dos papéis. O dólar é um investimento muito mais seguro, já que a moeda americana não tem a mesma chance de se desvalorizar do que as ações de uma empresa – que pode, por exemplo, falir e causar prejuízos enormes. Quando os investidores tiram dinheiro da bolsa – o que provoca sua queda – muitos correm para comprar dólares. A alta procura eleva a cotação da moeda americana.

12. É possível uma nova onda de desemprego?
Ondas de desemprego estão normalmente associadas a cenários de recessão econômica mais graves, quando o nível de produção cai e as empresas costumam dispensar parte de sua mão de obra para diminuir os prejuízos. Pelo menos por enquanto, não é caso desta crise. Mesmo que a economia dos Estados Unidos venha a se retrair como prevêem os analistas – o que com certeza provocará uma redução do crescimento brasileiro – a situação no país é estável, e as variações na taxa de desemprego devem continuar leves, para cima e para baixo.

13. É seguro investir em ações nesse período?
Sim. Diante da crise, os analistas não se arriscam a prever uma data para o fim da oscilação das bolsas, embora muitos apostem que ela se estenderá por boa parte de 2008. Isso não significa, no entanto, que a bolsa transformou-se da noite para o dia em território restrito a grandes jogadores e alguns poucos entendidos, como já foi um dia. Mesmo com as turbulências, segue sendo seguro investir no mercado de ações - mas, mais do que nunca, deve se esperar retorno a longo prazo, quando os efeitos mais graves da crise já tiverem passado e o mercado recuperar a tendência de alta. Em 2007, mesmo com momentos de fortes perdas, o índice Bovespa, principal da Bolsa de Valores de São Paulo, registrou valorização de 43,6%. No futuro próximo, a turbulência pode reduzir um pouco esses ganhos - mas eles deverão se manter acima de outros investimentos. Outro argumento dos analistas para manter os investimentos: a bolsa brasileira está barata em termos internacionais.
Para quem já tem dinheiro em papéis, o mais importante é não sair - a regra é ter cautela, já que voltar para o mercado depois, em épocas de alta, pode sair muito mais caro. Recomenda-se também que o investidor fique de olho nas pechinchas que surgem com a crise. Neste cenário, muitos estrangeiros vendem ações de empresas saudáveis e derrubam sua cotação. A longo prazo porém, elas podem se valorizar e beneficiar quem comprou-as na baixa. Diversificar as apostas também é indicado para tempos de bolsa volátil - eventuais perdas com uma companhia podem ser compensadas com ganhos em outras. Por fim, o investidor da bolsa deve avaliar o desempenho de sua aplicação em particular: a variação das ações que estão no fundo escolhido não vai ser necessariamente igual à do Ibovespa, que segue as 64 ações mais negociadas nos pregões da bolsa. Para se ter uma idéia, no início de 2008, já havia cerca de 450 empresas com papéis na Bovespa

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